Qual será o destino dessa casa?

Qual será o destino dessa casa?

Não é quadro bonito de ver: uma casa sendo atacada por todos os lados. Desde a primeira hora da manhã. Braços e hastes metálicas batem nela, do lado dela, sem dó nem piedade. Não há misericórdia.

Trata-se de casa que conserva ainda sua beleza, embora já moribunda, desenganada do ponto de vista da medicina urbanística.

Como a surra contínua desagregou o telheiro, a água se imiscui construção adentro, quando chove. Sua estrutura vai se curvando pela gravidade do momento. Não fosse o problema do inventário, que bloqueia a sanha imobiliária dos herdeiros, já estaria no chão, morta e enterrada, há bons meses, como todo o quarteirão.

Vai subir ali, arrogante, torres de vespeiros para se morar. De certo padrão. Seria isso só um mal? Seria isso só um bem?

Fiapo de vida, vivem ainda ali, como desterrados ou fugitivos de guerra, a jovem Clarisse, seu irmão e seu cunhado. Vieram corridos, de última hora, depois de que a quitinete onde moravam se desconcertou.

“Mas já estamos de saída”, avisa Clarisse, apoiada na grade frontal que delimita a casa. “Não dá para morar aqui. É um barulho horrível desde logo de manhã.”

Naquele que seria o segundo dormitório, onde drena água adoidado, virou o canil dos dois companheiros da família.

Houvesse zelo e vontade, essa casa, representante de digno passado, de número 616 da rua Salvador Simões, Alto do Ipiranga, seria a menina dos olhos. Um semicírculo de vidro compõe um alpendre, um jardim de inverno, na entrada. E as janelas dos dormitórios são de ferro torcido com arte, guardando as venezianas de madeira. Há um telhadinho de telhas de barro formando franja encaracolada sobre cada uma das janelas, um charme.

E para entrar na casa, a gente passa um portãozinho de ferro com os mesmos arabescos das janelas e das grades e sobe um par de degrauzinhos.

Os pais de quem a legou não podem estar felizes. Não foi assim que tudo começou, foi alegria, foi cuidado, foi sentimento de futuro, de progressão. Quantos foram os que aqui nasceram?

Qual será o destino dessa casa? Tem tudo para desabar e morrer antes de a obra que a maltrata, como a águia o fígado de Prometeu, esteja pronta. Ilusão é de que a gente tenha ganhado o fogo com isso.

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